segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Porque eu passei a votar nulo

Votei pela primeira vez aos dezesseis anos, achava que era minha obrigação cívica votar e fiz questão de tirar meu título. Foi a eleição para prefeito em que foi eleito o Celso Pitta em São Paulo. Ao menos nessa e na eleição seguinte, eu votava por e com convicção. Avaliava as propostas dos candidatos, como manda o figurino regurgitado nas tosquíssimas propagandas institucionais do TSE até hoje, e escolhia os que eu considerava os mais preparados para assumir os cargos. Nunca via o voto como uma obrigação.

Mas a vida adulta, as experiências e as observações repetitivas do comportamento humano, como não poderia deixar de ser, foram me tornando mais cético, para não dizer amargo. E, nesta última eleição, fiz algo que até então jamais imaginei capaz de fazer e, agora, após ter tirado a "zica" e que o meu ceticismo/pessimismo com a raça humana em geral e com o fenômeno político tupiniquim em particular se consolidam, não consigo imaginar deixando de fazer de hoje em diante: eu anulei meu voto.

O problema filosófico que eu enfrento não se resume ao fato de que nenhum candidato ou político ativo merece o meu voto, embora isso seja verdade. Mais significativamente, não vejo ninguém defendendo a única plataforma que eu considero tanto séria quanto factível, que é a redução drástica do tamanho do Estado e, obviamente, da tributação.

Em primeiro lugar, é perfeitamente possível fazer uma contundente, feroz e verossímil crítica ao sistema tributário brasileiro focando-se única e exclusivamente no tamanho da carga, deixando completamente de lado a própria qualidade do sistema, ou seja, a sua deplorável funcionalidade ou operabilidade. Por amor à brevidade e por não ser um tributarista de ofício, eu me darei esse luxo. Restringir-me-ei à condição de cidadão: temos uma carga quantitativamente nórdica para serviços subsaarianos. Ponto. O Estado brasileiro se autoatribui uma infinidade de competências, mas não consegue exercer decentemente nenhuma delas. A qualidade dos serviços que presta é pornográfica. E a tributação, no frigir dos ovos, acaba por quase que exclusivamente servindo para sustentar a máquina pública, em si um gigantesco cabide de emprego. Estou ciente de que faço enormes generalizações e que elas são por definição perigosas, mas tenho que as eventuais e ríspidas contestações que receberia deste argumento também nada mais seriam que citações de uma série de exceções às regras gerais que estatuí que, como o provérbio diz, confirmam a regra.

Este é o fenômeno brasileiro. Ao se discutir em termos abstratos, contudo, a situação do Estado piora. O Estado foi uma instituição historicamente concebida com a precípua finalidade de evitar a barbárie na solução dos conflitos de interesse que naturalmente surgem da convivência humana em todas as formas de grupamentos de que já se teve notícia. A evolução social humana culminou com a criação do Estado, instrumento que permitiu se alcançasse o grau de desenvolvimento da espécie e de suas obras que se tem hoje. Agora, a mesma História apontará que a ÚNICA função que o Estado até hoje desempenhou ou de forma satisfatória ou de forma menos insatisfatória que as demais soluções propostas foi essa (repito): evitar a barbárie na solução dos conflitos de interesse. Exceções pontuais - normalmente nórdicas - desconsideradas, virtualmente todas as outras funções que se "inventou" atribuir ao Estado foram ou são desempenhadas em níveis pífios de excelência, do que o Brasil é uma triste e didática ilustração.

Já que estamos falando de ilustrações brasileiras, permaneçamos com elas. Nem da função histórica primária do Estado, que diz respeito, em termos atuais, à promoção de segurança pública, se está perto de cumprir aqui. E isto não é acidental: acaso amanhã a criminalidade no Brasil fosse reduzida a ZERO - e eu me refiro a crimes não praticados pelos agentes públicos - esses mesmos agentes públicos perderiam MUITO dinheiro. A existência da criminalidade gera um infindável propinoduto, que não interessa a ator político nenhum fechar. Aqui, talvez mais do que em muitas nações ocidentais, o interesse político é por se dar a impressão de que se combate a criminalidade sem de fato combatê-la. E isso para falar da deficiência do Estado brasileiro em endereçar a única função genuinamente estatal. Quanto a todas as demais, eu não consigo conceber que seja difícil entender qual é o objetivo real por trás do discurso praticado por todos os pretendentes políticos de que o Estado deve ser aumentado ("mais saúde", "mais educação", "mais segurança", "mais distribuição direta de renda"...): quanto maior a máquina pública, maior o número de atribuições conferidas a ela. Assim, quanto mais atividades tiverem de ser praticadas ou diretamente fiscalizadas pelo Estado, maior será o número de situações em que o desenvolvimento de uma atividade econômica qualquer por um particular - e não nos esqueçamos que o Brasil AINDA NÃO É um país declaradamente socialista, de forma que, em tese, a atividade econômica é desempenhada, ou melhor, deve ser desempenhada primordialmente pela iniciativa privada - estará condicionado à chancela de, na melhor das hipóteses, um burocrata interessado apenas no seu salário no fim do mês e sem compromisso nenhum com a eficiência própria, do "serviço" que presta e, muito menos, com o bom andamento da atividade do particular. Na pior, o particular terá que se reportar a um marginal que o extorquirá sob pena de não ter a suma autorização estatal para ousar realizar a sua atividade "livre". Ainda, quanto maiores as atribuições estatais, maiores os gastos para mantê-la. Quanto maiores os gastos, maior a tributação. O resultado é que o Estado, tanto quanto conseguir vender ao eleitorado de que ele é necessário e que será "bonzinho" a ponto de querer "cuidar da gente" da melhor forma possível, será cada vez mais inflado e o seu mandatário terá nas mãos as chaves tanto de um gordo cofre quanto de uma polivalente máquina. Quanto maior o Estado, mais tenderá o mandatário a se apropriar da coisa pública como se sua fosse e espoliar o patrimônio público, traficar influências, enfim, operar a máquina da forma como melhor lhe aprouver e sugando em benefício próprio todos os frutos que ela puder lhe fornecer.

Não me parece que essas premissas sejam muito difíceis de entender. No entanto, não se vê um único candidato a cargo nenhum aparecer com uma plataforma de redução radical do tamanho do Estado. De corte de gastos. Desburocratização. Minimização dos serviços prestados pelo Estado. E, consequentemente, diminuição da folha de pagamento, dos gastos públicos e, por conseguinte, drástica redução da tributação. Ao contrário, as propostas políticas são sempre no sentido de aumentar a influência estatal, as oposições atacam as situações não afirmando que as situações inflaram desmedida e desnecessariamente o Estado, mas sim que o fizeram da forma errada, prestando maus serviços, deixando de prestar serviços essenciais para prestar supérfluos... E, quando falam em redução da carga tributária, quando muito tangenciam o assunto, só se arriscam a prometer - sem cumprir - não aumentar ainda mais a carga.

Logo, TODOS os discursos praticados hoje no cenário politico brasileiro são, necessariamente, ou ingênuos ou mal intencionados. Não há como escapar disso. Se o cidadão efetivamente acredita que é possível o Estado, qualquer que ele seja, mas quanto mais o brasileiro nos próximos quatro anos - quem sabe, em 375 anos, nós seremos a Dinamarca hoje, mas ser a Dinamarca em dois anos e meio, que é o que se costuma prometer, isso não vai acontecer MESMO - exercer todas as suas competências às mil maravilhas e ser o grande difusor do bem-estar, por tudo o que eu já falei e por tudo o que a História mundial já demonstrou vez após a outra, o sujeito é quase um caso de hospício de tão ingênuo que é. Por melhores que sejam as intenções e as administrações, o Estado é inescusavelmente burocrático e nunca conseguirá prover os serviços que se propõe a prestar de forma mais eficiente que a iniciativa privada. A iniciativa privada, ainda que potencialmente cara, ganha de qualquer forma de prestação de serviços estatal na relação custo/benefício, pois os serviços estatais são tão horrorosos quanto são mal ou simplesmente não pagos. Enfim, o Estado não tem condições de ser o grande e bom pai de todos que prega ser e o observador e candidato minimamente inteligente tem plenas condições de perceber isso.

Sobra o mal intencionado, personagem adequado a 99% dos casos. O indivíduo SABE da inépcia do Estado tanto quanto eu, mas também sabe que não vai ganhar a eleição falando que cada um com os seus problemas e se entrarem em desavença, não se matem, chamem o Judiciário, que é a única coisa para que o Estado realmente serve, e olhe lá. Ele tem que falar que vai dar creche, vai dar escola, vai dar hospital, vai dar segurança, vai matar - e não prender - bandido, vai dar bolsa-família, vai fazer vista-grossa a ocupação irregular e a gato na eletricidade, gato na TV a cabo, gato no gás e ao despejo de esgoto sem tratamento no corregozinho que passa pelo meio da comunidade.

Conforme eu queria demonstrar, portanto, a única plataforma política séria - por tal entenda-se de boa-fé e não ingênua - e factível é a de redução radical do tamanho do Estado. Não defendo que o Estado deva, em qualquer parte do mundo e para qualquer nação, se restringir a única e tão somente o judiciário e seus desdobramentos: polícia, ministério público, advocacia e demais órgãos próprios para a rápida e justa solução dos conflitos. Entendo que, sempre considerando as realidades regionais, em princípio, toda e qualquer função atribuída ao Estado que não seja o arbitramento dos conflitos de interesses é histórica e filosoficamente anômala. Aí se incluem, para situar a coisa mais próxima da nossa observação brasileira, prestação de serviços de saúde, educação e previdência, aprovação de empreendimentos imobiliários, alvarás de construção de residências unifamiliares, autorização para instalação de lombada na rua, alvará de funcionamento de botequim de esquina, etc. Logo, se se pretende atribuir ao Estado qualquer uma dessas funções que não o arbitramento de conflitos, eu proponho que se pergunte o porquê e que se faça uma análise fria e objetiva acerca da capacidade do Estado de realizar todas elas com eficiência não só satisfatória, mas superior à que a iniciativa privada apresentaria. Se a análise concluir negativamente, não é o caso de se atribuir ao Estado essa função. É esse, em síntese, o programa governamental que eu aguardo ser declarado por algum candidato a qualquer cargo político no Brasil para que esse indivíduo receba meu voto. No entanto, como a probabilidade de aparecer um camarada desses é menor do que o surgimento de uma prova irrefutável da existência de Boitatá, eu começo a me conformar que anularei meu voto até o fim da minha vida, a não ser que o voto passe a ser facultativo, o que considero igualmente difícil.

Cheguei, pois, a todas essas tristes constatações. Provei, para mim mesmo, por A + B, que não há um único discurso político crível sendo praticado no Brasil. Ao contrário, os palanques são ocupados ou por marginais ou por desavisados crônicos. E eu simplesmente me recuso a votar em qualquer um deles.

4 comentários:

  1. Acho que tem razão quanto à sua revolta mas acho que a maneira de manifestar a revolta apesar de não ser, tecnicamente, errada é, certamente, ineficaz. Ou seja, vc não concorda com o processo e, portanto, decide por não participar do processo. O problema é que, quer você queira ou não, você é participante do processo e este afeta a sua vida diretamente. Ao não votar a grande verdade é que vc acaba ajudando as distorções a se perpetuarem e não o contrário.

    Isso posto e dito do alto de quem justifica o voto há quase 10 anos a grande verdade é que concordo com tudo o que vc diz. O Brasil entrou numa inércia política do Lula em diante que será difícil de se quebrar. Voltamos para o Brasil grande dos governos militares. Não basta ao Estado prover bens públicos ele tem de participar ativamente na economia até quando empresário. Isso não terminou bem nos anos 70 e não vai terminar bem agora tbm. A dúvida é quando e como o modelo vai explodir. Como todo movimento inercial, ele continua em movimento até sofrer um choque. Qual choque e quando eu não sei, mas que o modelo é insustentável isso é.

    Enquanto isso, fazer o quê? Entendo a sua revolta mas, no curto prazo, o que sobra é apoiar iniciativas que vão na direção contrária (tipo voto distrital) sabendo que estas só se tornarão viáveis numa crise mas, à exceção de emigrar do Brasil para algum outro país que não padeça dos mesmos vícios, não há muito o que se fazer mesmo.

    Mas será que votar nulo resolve alguma coisa?

    Abraços

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    1. Também concordo contigo, anular voto não resolve nada e o Brasil obeso do Milagre Econômico voltou a pleno vapor. Não era vivo para ver, mas imagino que a bizarramente errônea impressão que se tem tido do Brasil como um país próspero e em vias de chegar no seu "futuro", impressão esta que ouço corriqueiramente de estrangeiros, muito tem de semelhante com a que se tinha do Brasil do Milagre. E vai acontecer a mesma coisa de novo, vamos dar com os burros n'água.

      Sair daqui é um sonho em construção. Mas, enquanto isso, iniciativas como a do voto distrital devem ser apoiadas, o que eu também faço. Agora, não passei a anular voto como uma forma de promover as mudanças que julgo necessárias ao País. Sei que isso não resolve nada e que não vai trazer essas mudanças. Eu simplesmente não tenho mais estômago para votar em nenhum candidato que tenho visto ou que já vi. Ninguém merece meu voto.

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    2. Veja essa. Precisa dizer algo a mais?

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    3. Não. Vem à baila Serginho Mallandro e a anedota de que o Brasil só sairá dessa toada se disser a senha (salcifufu), mas responder a esses argumentos, não tem como.

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